SOPROS NO UMBRAL – ATIVAÇÕES ARTÍSTICAS DE UM ARQUIVO RURAL
O umbral pode ser um símbolo ajustado a estes tempos estranhos. Esse limiar entre o reduto íntimo e o mundo exterior tem sido para muitos o lugar de contacto possível com os “sopros” da vida em comunidade. E se na dificuldade concreta em acedermos a um território concreto, por exemplo rural, nos deixarem ver e escutar uma malha densa de paisagens, ações, vozes e memórias? Que tipo de construções mentais e sensoriais são possíveis a partir dessa interação? Que conhecimento é possível adquirir com esse acesso? Que narrativas se podem construir a partir de histórias de vida e de pertença a contextos concretos? Que vínculos se podem estabelecer entre a nossa própria experiência e os ecos que nos chegam de lugares que nunca visitámos?
“Sopros no umbral” constituiu um desafio de ativação artística a partir do acesso ao Arquivo Digital Binaural Nodar, um repositório de mais de um milhar de documentos sonoros e vídeo do território de Viseu Dão Lafões que abarcam uma grande diversidade de temáticas: ciclos agrícolas, ciclos da água, criação de gado, cancioneiro tradicional, emigração, exploração mineira, etc. e de tipos de prática: paisagens sonoras, entrevistas e registos de contextos etnográficos, criações artísticas, emissões de rádio, etc.
“Sopros no umbral” é uma atividade integrada na celebração dos 10 anos de parceria entre a Binaural Nodar e o Mestrado de Criação Artística Contemporânea da Universidade de Aveiro que decorreu em 2021 e as criações artísticas geradas formam parte do mesmo arquivo e constituem uma série própria de documentos, passíveis, por sua vez, de gerar outras interações criativas futuras.
OBRAS ARTÍSTICAS
Palavras chave: Video; Som;
Performance; Êxodo; Urbano/Rural
Sinopse: As apertadas paredes de lata levam à meditação do urbano para o rural, da fábrica para o campo, da realidade para o anseio, da vida que é para a vida que deveria ter sido. O espaço da performance invisível é da transmissão e criação, em direto, da difícil nebulosa de reflexão sobre o tempo. Os sons e melodias, elas mesmo distorcidas, entram em diálogo com o movimento e a cor, num ciclo de imersão espontânea.
Proposta conceptual: Perante o desafio de trabalhar com base no arquivo da associação Binaural, identifiquei a temática da “Emigração Beirã para Lisboa”, nomeadamente daqueles que passaram viver num bairro de condições paupérrimas conhecido como o “Bairro Chinês”. Ora, a temática da emigração, que suscita em cada um de nós sentimentos distintos, é pensada a partir da distinção entre o ambiente que aquele que emigra é obrigado a estar e a turva imaginação do território em que cresceu, também ela cheia de dúvida, inquietação e instabilidade.
O presente trabalho surge da proposta de criação a partir de arquivo, especificamente aos arquivos de som e imagem da Binaural Nodar. Os arquivos trabalham em formato de ilustração à uma narrativa apresentada por meio de uma voz que companha o vídeo.
O trabalho busca tratar a valorização de processos vividos ao longo da vida—processos que geram aprendizado—em contraste a valorização única dos resultados alcançados, aprendizados já “digeridos”.
Os arquivos utilizados neste projeto retratam o processo passo a passo da confecção do linho, desde o seu cultivo até a tecelagem, vídeos gravados na região de Viseu, contribuindo de forma ilustrativa à narrativa apresentada. Podendo observar de forma simultânea a realização de um processo manual e ouvindo sobre um processo —muitas vezes subjetivo— de revalorização.
O texto que acompanha os arquivos de forma audível busca encorajar o questionamento do caminhar e aprender, e exalta o caminho até a conclusão de algo em nossas vidas, podendo ser encarado como a valorização do presente e do agora assim como o futuro é valorizado.
Estradas rurais que vejo do alto da cidade são os caminhos que me levam para casa. Mas não posso segui-las, devido a necessidade atual de estar na cidade grande e viver os dramas e emoções urbanas. Uma colcha de memórias tecida para fazer lembrar e fazer viver as lembranças e pessoas do passado junto aos sons e imagens do interior. Depois de se enrolar com essa concha podemos entrar no caos e instabilidade da vida longe de casa.
Propôs-se um diário audiovisual acerca da vida do autor, dos familiares e da partida da sua cidade natal no interior para a cidade. A proposta do documentário é a partir de imagens, videos e sons de arquivo gravados em Iguatu, os lugares que marcaram sua infância e adolescência. Somando-se a essas imagens, foram usadas imagens de arquivos da binaural para construir essa paisagem rural de forma visual e sonora. Outra parte das imagens foram feitas pensando em planos mais contemplativos da cidade e seus lugares, da atividade das pessoas. Noutra sequência do filme construiu-se a partir de imagens de arquivo – vídeos e fotos produzidos a partir do celular para serem postados em redes sociais – um diário de memórias para contar histórias e principalmente tentar expressar as emoções sentidas nas gravações dessas imagens.
Além dessas imagens e sons e tomando como referência o curta A Festa e Os Cães de Leonardo Mouramateus e o longa Shirkers de Sandi Tan e também o filme Democracia em Vertigem de Petra Costa, planejamos usar a narração num estilo que flerta com o filme ensaio para tentar amplificar a potenciação das histórias e emoções das imagens. Fazendo o contraponto das imagens atuais com uma narração sobre o passado e vice e versa, tentamos tensionar a linha temporal das memórias e criar algo que se assemelhe como uma constelação de acontecimentos e sentimentos e não uma linha histórica fixa e linear como propõe Walter Benjamin em sua historiografia, a qual representa o registro da experiência humana e o lado oculto da historiografia oficial.
Primary Colors is a film and tribute to the people of rural communities. As an immigrant from Canada, I found a kindred spirit in the people of Dão Lafões. Their sense of community, welcomes and warms a burdened heart. It is paralleled by an inner strength that is a beacon of light – like yellow on the artist’s canvas. While their sensible and realistic way of being keeps us in check as a wave pulls you back to shore. All these metaphors are part of the symbolism that make up the film Primary Colors.
I celebrate the theme, Blows in the Doorway, by creating a corridor of communication through the exchange of sound and video retrieved from the association’s archives and my own productions. As if carried by the wind, echoes of a distant land can be heard in an intimate dialogue between me and these rural communities. In particular the women, who have been an inspiration not only in art but in life. A final appreciation is expressed in form of a poem, where if any doubts remain with regard to intentions, they are quickly dismissed.
As the film opens, a hand worked wrought iron gate is seen out of context standing in the sand – backed by the roaring breaking waves; It is the threshold between the intimate and the outside world. A metaphor for my own reality and a tribute to Portuguese craftsmanship, capable of creating intricate, and beautiful objects with such precision.
Oscillating between a sense loneliness and tranquility, the moment is broken by the far away laughter and chatter of the women in the Dão Lafões region, as they harvest their crops used to produced linen. The film cuts to them; we see the women dressed to tradition as they sing the songs of their ancestors. Songs, that set the rhythm of their work.
Abruptly, we enter the intimacy of my studio in Aveiro where I am stretching and priming the canvas; emphasis is given to working hands to highlight the work ethic and old fashion know how exampled by the rural people. Archive files reveal images of nature and its sounds, exposing the viewer to another reality quite different from the sandy seashores of Aveiro. As we listen to water trickling down the creek, I am seen painting in my atelier, joined by the commanding voices of women working. Alone in the atelier their voices incentivize and break the silence, no time for sadness. Without them the silence is deafening. The painting in progress takes form, revealing a vast landscape of hills and rivers inspired by the nature of Dão Lafões and the home I had left many years ago. The parallel worlds continue with sound and video interchanging the context of the video clip. Close in mind but yet far away, the love of nature and the longing to be together. Mixing of colors reflects the mixing of lives; it is part of nature. Church bells ring to the hymn, Ave Maria, as the women walk their path in nature and in life. While upon their heads they carry hardship with elegance and poise.
It was an honor that I put myself in the same context with people so rich in mind, body and soul.
Baseado na entrevista do senhor Joaquim da Silva Ferreira, este pequeno livro pretende contar a sua história da infância à vida adulta. Um projeto que pretende apear ao público infantil. As melhores memórias da minha infância são de a minha mãe a contar uma história antes de ir dormir.
Com recurso à Realidade Aumentada criou-se uma aplicação que permite ouvir o contraste do barulho da cidade com a calma e serenidade do campo numa sociedade onde não há tempo para parar, respirar e aproveitar o que de melhor a mão natureza nos dá.
É preciso educar as gerações mais jovens da importância de tomar conta do nosso planeta, assim como do nosso bem estar físico e psicológico; não apenas viver da ânsia de ter o último e mais moderno, sem olhar a meios para atingir fins.
Da Serra para a Fábrica: Entrevista a Joaquim Ferreira (Lamelas de Lá, Castro Daire):
https://www.archive.binauralmedia.org/portfolio-items/entrevista-a-joaquim-ferreira-lamelas-de-la-castro-daire/
Baseando o meu projeto na minha interpretação do Arquivo Digital Binaural Nodar, escolhi fazer um sketch de uma das múltiplas máscaras que vêm a existir durante a preparação para o Entrudo de Lazarim, uma das coisas documentadas e arquivadas no website da Binaural. As máscaras são feitas através do uso de madeira para criar representações maquiavélicas e animalescas.
O processo de arquivar informação não se limita a nada, podendo conter gravações, fotografias, entrevistas e mais, e no meu caso, escolhi criar um desenho para ser um artigo a arquivar. Neste caso, como se um planeamento das máscaras que existem. De certa forma, este sketch poderia se tornar como algo a arquivar de modo a guardar informação sobre o “Entrudo de Lazarim” e aquilo sobre o qual o mesmo se baseia.
SINOPSE
Num arquivo repleto de entrevistas etnográficas, das quais a grande maioria é feita a idosos com mais de setenta anos num contexto rural. São abundantes as referências a grandes quantidades de tempo que parecem ser tratadas com irrelevância.
A aparente abundância da tempos de vida suscitou um grande contraste com a atitude depressa incessante que de tende viver a vida no atual contexto urbano. O ambiente rural em questão, favoreceu um certo tipo de vida aos habitantes, com a ausência da inquietação urbana as histórias de vida são contadas com calma, e relatando eventos cíclicos, garantidos, sem aparente disrupção temporal. A “aparente” estabilidade dos ofícios da região permitem aos entrevistados exclamar “Onde trabalhei 30 anos como alfaiate”, “já aqui vivo há mais de 50 anos” e “e depois lá estive… estive lá 15 anos”.
Presentes num contexto de comunicação oral, certas referencias não revelam a sua significância, devido ao natural funcionamento do discurso oral. O simples acto da transcrição é de grande importância na descontextualização do conteúdo observado.
PROPOSTA CONCETUAL
Perante o conteúdo, descontextualização e interpretação externas surgiram a de forma natural. Na apreciação do vasto material apresentado, e depois da transcrição das frases mais apelativas a serem interpretadas longe do contexto original. Sugeriu a necessidade da criação de uma entidade exterior que fosse ter acesso aos documentos escritos. Assim com uma personagem externa, alheia ao contexto do Arquivo, esta poderia analisar e impor na sua interpretação, uma perspetiva pessoal e dependendo da vida e do contexto social dessa personagem. Foi feita uma apresentação da investigação pela personagem tendo em conta fragmentos do arquivo disponibilizados. Algo como um quadro expositivo ou uma apresentação com provas físicas e esboços foi elaborado para exibir a necessidade de investigar a origem dos artefactos. A apresentação consistiria de, camadas de interpretação incongruentes dos textos originais, devido à seleção imperfeita dos artefactos pelo personagem. O resultado, um aglomerado de provas e teorias para tentar explicar a razão por trás das afirmações presentes nos artefactos.