Várzea de Calde, primavera de 2019. Registo sonoro integrado numa série de gravações realizadas para o projeto Viseu Rural 2.0 e para o Arquivo da Memória de Várzea de Calde, cujo tema principal são diversos usos e conhecimentos sobre plantas: medicina, culinária, construção de ferramentas, rituais, jogos, etc.
Enquanto Mariana Campos e Lúcia Ferreira coram as meadas de linho, conversamos sobre algumas doenças frequentes em tempos passados, como a enterite ou “soltura”, muito perigosos nos bebés, e os leicenços, uma espécie de grão ou “tumor” que afectava tanto as crianças como o adultos, manifestando-se em várias partes do corpo. Para ajudar a madurar, colocava-se uma folha de erva esteporeira aquecida em azeite e aplicava-se na zona do corpo afetada e quando esta ficava mole, fazia-se um pequeno corte para sair o pus. Outro tipo de “caroço” ou vulto eram as “ínguas” que cresciam por exemplo nas virilhas, e os cravos. Para tirar os cravos, recorria-se a Santa Eufémia e, no caso de a pessoa ficar curada, agradecia-se no dia da sua festa, 16 de setembro, levando-lhe milho, “um punhadito” que coubesse num “tamanquito”, ou a quantidade que cada um pudesse levar. De noite, havia mais probabilidades de resolução positiva dos cravos, talvez porque a santa podia ouvir com mais clareza. Para os cravos e para limpar as feridas também são úteis as celidónias (Chelidonium majus, L.).
Muitas pessoas também chamam a esta planta “betadine”, e as mulheres comentaram que, em várias ocasiões, havia quem a vinha buscar para a sua comercialização. Para curar a enterite, mencionaram o funcho ou erva doce.
Por último, o fantasma da fome, entrelaça-se nas memórias destas entrevistadas, que a mencionam como se tivesse sido parte de toda a aldeia.
Entrevista de Ana Rodríguez com Mariana Morgada de Campos (n. 1944) e Lúcia Fernandes Ferreira (n. 1949).