Do alto dos seus 85 anos, António Batista conhece Rebordinho, na freguesia de Campia e concelho de Vouzela, como a palma da sua mão. É um dos anciãos da aldeia e conduz-nos numa viagem repleta de memórias.
Nos seus tempos de menino, recorda, não havia meios de transporte e eram os carros de vacas a ajudar os trabalhadores do campo nas tarefas do dia-a-dia. Com a charrua e a grade preparava-se a terra e as sementeiras faziam-se à mão. Os cereais, como o centeio e o milho, a que se juntavam o feijão, as batatas e as couves, eram uma parte importante do cultivo e da alimentação da comunidade. No caso do milho, era transformado em farinha no moinho junto ao rio, para cozer a broa e alimentar os animais.
“Era tudo pouco”, diz o octogenário, explicando que a produção era para consumo próprio.
O negócio fazia-se com as vacas, os vitelos e alguns porcos que se vendiam na feira de Oliveira de Frades, para comprar o que não se produzia, como o arroz ou o bacalhau. Mas “os cevados” também se ‘criavam para casa’, ocorrendo a matança nos meses frios, entre novembro e janeiro. Conforme lembra António Batista, o lombo e as costelas eram postos em panelas de barro, e mais tarde de alumínio, enquanto os presuntos e as pás iam para a salgadeira para conservar. Em qualquer altura, os rojões saíam da panela para serem servidos aos visitantes.
Depois veio a resina, com o ouro líquido a cair nas bicas e a dar vida às florestas.
Com muitas crianças a frequentarem a escola de Rebordinho, as ligações entre aldeias faziam-se a pé. De vez em quando lá aparecia alguma bicicleta, depois as motas e só nos últimos 40 e poucos anos chegaram os primeiros automóveis.
As voltas do linho, que se fiava ao serão, e os jogos comunitários fazem também parte das memórias de António Batista. Jogar à moca, ao peão pela Quaresma, à piorra no Natal – em que se disputavam pinhões e figos, e ao botão – que chegou a tirar da roupa para o efeito, estavam entre as brincadeiras de eleição.
O sénior fala-nos ainda da importância que era dada à educação católica, das festas religiosas da aldeia, sem esquecer os bailaricos que se faziam ao som do compasso e a tradição do entremês.
Conforme recorda, muitos finais de tarde eram passados a bater o “Canta Bem” e bastava juntar-se meia dúzia de rapazes para se entoarem as modas antigas, como a Santa Combinha ou as influências vindas do Alentejo.
“Era muito trabalhoso mas era saudável”, nota, com saudades “da sociedade antiga que se organizava sem lucros” e onde se dava valor à honestidade e solidariedade.