Maria do Carmo Bica, engenheira agrónoma de profissão é oriunda de uma família do concelho de Vouzela ligada a movimentos progressistas. Nesta entrevista retrospectiva, falou-nos com detalhe sobre o contexto da sua infância e juventude, assim como sobre vários temas de relevo para a região de Lafões entre os quais a agricultura e a pecuária, as oportunidades de negócio ligadas à terra e o papel dos jovens no futuro do mundo rural.

Maria do Carmo Bica é filha de agricultores de Paços de Vilharigues que tinham uma pequena exploração agrícola e que conseguiram dar a oportunidade de estudar aos cinco filhos que tiveram, o que era raro naqueles tempos. Sendo, no momento da entrevista, candidata à presidência da autarquia de São Pedro do Sul, abordou vários aspetos ligados à desertificação do interior como a falta de aposta no desenvolvimento rural e nas políticas de mobilidade e de educação ainda com muitas limitações nestes contextos rurais.

Maria do Carmo Bica nasceu numa família de comunistas – o pai, a avó e o tio, foram militantes comunistas na clandestinidade – e por alturas do 25 de abril de 1974, com apenas dez anos, começou a ganhar consciência política. Desde cedo percebeu que tinha de ter uma atitude na vida completamente irrepreensível para viver e ser respeitada num ambiente social muito conservador – afirmando-se como comunista tinha, por exemplo, que ser boa aluna, vestir-se de forma discreta e ter uma atitude na vida de modo a que ninguém lhe pudesse apontar nada. Cresceu com essa mentalidade e sentiu que as ideias eram de certa forma marginais mas que que estava no caminho certo, em defesa de uma sociedade mais justa, nomeadamente para a sua região periférica e rural.

Um dos aspetos mais aprofundados na entrevista foi o dos baldios, tema muito caro na família, dado que o seu tio António Bica é um conhecido defensor e estudioso da matéria.  Segundo Maria do Carmo Bica, o tipo de agricultura tradicional da região de Lafões, associada ao pastoreio de ruminantes, ovelhas e cabras e também de grandes ruminantes como bovinos de raça arouquesa, estes últimos a origem da vitela de Lafões, está muito relacionado com uma prática comunitária que é o pastoreio em baldios – terrenos que não são propriedade de nenhum particular nem do Estado e que incorporam um ancestral direito de uso comum pelos chamados “compartes” para pastoreio, exploração florestal, apicultura, etc. Na maior parte dos concelhos do norte e centro do país onde predominam os baldios houve fortes lutas em defesa desta forma de gestão comunitária de recursos, quer antes quer depois do 25 de abril de 1974.