“O fogo é o ultra-vivo. O fogo é íntimo e é universal. Mora no nosso coração. Mora no céu. Eleva-se das profundezas da substância e oferece-se como um amor.”
Gaston Bachelard in “La psychanalyse du feu”
No mundo rural beirão, a chispa e o fogo manifestam-se destes tempos imemoriais em contextos (aparentemente) contraditórios como são a tragédia, a germinação, a extração e a festa. A tragédia dos incêndios estivais, a germinação que sucede às queimadas dos pastos serranos, a extração explosiva do minério e a equinocial tradição das fogueiras de São João ou os extáticos foguetes lançados em dia de festa na aldeia.
O foguetes manufacturados, muitas vezes em improvisadas fábricas de explosivos, derivam de uma tradição sincrética: da invenção da pólvora e ao costume de lançar canas de bambu na China, à provável transmissão da pirotecnia no sul da Europa por via árabe, acaba por ser interessante constatar como Itália, Espanha e Portugal continuam ainda hoje a serem os baluartes europeus de produção e uso festivo de artefactos pirotécnicos.
A gravação em causa efetuou-se no dia 21/4 domingo de Páscoa de 2019 com foguetes ouvidos em vários pontos de Parada de Ester: junto à igreja paroquial no momento do toque do sino para marcar o início do compasso pascal e junto ao rio Paiva numa zona denominada “Alto da Volta”, onde se escutaram, muitas vezes com ecos impressionantes, foguetes lançados nas aldeias de Nodar, da Ameixiosa e de Sequeiros. É interessante notar como na aldeia de Parada de Ester e em todo o vale do médio Paiva os foguetes ainda formam parte do espírito bairrista, existindo autênticas competições entre aldeias para evidenciar a espetacularidade dos respectivos fogos presos.
Gravações efetuadas por Luís Costa com gravador digital Zoom H4n no dia 21 de abril de 2019.