“África tem um feitiço muito grande”. Quem o garante é Natália Nobre, de 78 anos, criada em Angola, onde chegou em 1945, com um ano de idade. Viria a sair, 30 anos depois, no auge da Guerra do Ultramar, alojando-se em Oliveira de Frades.
Entre as memórias que remetem para África está uma boneca que a mãe ofereceu, “feita de um material duro mas muito perfeita”. Infelizmente, diz, nunca teve “o privilégio de brincar com ela”. “Via-a muitas vezes, quando a minha mãe abria a mala de ferro, estava um bocadinho, mas depois a mala fechava-se e eu ficava muito triste. Um dia descobri onde a minha mãe guardava a chave e quando ela se ausentava para fazer alguma coisa aproveitava para brincar”, recorda. Mais tarde, com a escola e a necessidade de ajudar os pais, já não sobrava tanto tempo, mas, sempre que possível, Natália Nobre pedia à mãe para brincar.
Com o despontar da guerra, a família teve de sair à pressa, e a mala e a boneca ficaram.
“Ainda hoje penso porquê que os pais não deixam os filhos brincarem. É uma asneira. Os brinquedos são para as crianças brincarem, enquanto são crianças e sentirem necessidade de o fazer”, defende. Talvez por isso tenha regressado, algumas décadas depois, a Angola, levando brinquedos para as crianças.
Apesar das dificuldades na fuga à guerra – e que iam custando a sua vida e a do marido – Natália Nobre evoca “memórias lindas de tempos felizes”.