Nascido num pequeno lugar da freguesia de Arcozelo das Maias, no concelho de Oliveira de Frades, onde não havia estradas ou eletricidade, a infância de João Ferreira foi pautada pela vida ao ar livre. Seguiram-se dois anos num colégio interno, em Viseu, até “o menino da aldeia” ir parar a Lisboa.
Em pouco tempo enamorou-se pela fotografia, “não pelo ‘click’ da máquina fotográfica ou pelo enquadramento, mas pelo laboratório”. Sendo uma área de acesso restrito, em que as técnicas passavam de pais para filhos, não descansou enquanto não dominou cada passo, desde a química ao regulador passando pelo fixador e pela lavagem. “Isto vai ser a minha vida”, não teve dúvidas. E assim foi. Aos 14/ 15 anos já tinha o seu próprio laboratório e recursos para fazer serviços de fotografia, assegurando o seu sustento.
“Tive uma sorte muito grande em ir para a tropa e ficar no ramo, na Divisão de Fotografia e Cinema do Exército, onde existia a única escola nacional do setor”, conta, destacando que isso lhe permitiu aprofundar os conhecimentos teóricos.
No regresso, veio para Vouzela, que na década de 70 do século passado era a capital de Lafões. Trouxe a família e como não havia serviço de fotografia, estabeleceu-se. Vindo do meio citadino, confessa que “a adaptação não foi fácil”. Ainda assim, reconhece que “era um privilegiado”.
Naquela altura, recorda, não havendo estradas e comunicações, as deslocações para as aldeias eram complicadas. De Fornelo do Monte, por exemplo, as pessoas vinham de noite, traziam a sua candeia para iluminar o caminho, que deixavam na parte alta e, já com o dia a raiar, vinham a pé até à vila tratar dos seus afazeres. No regresso pegavam nas candeias e iam dormir a casa.
João Ferreira teve ainda a experiência da emigração, na Alemanha, mas procurava estar informado, através da rádio e dos jornais, onde “tinha de ler nas entrelinhas” e perceber quando a Censura cortava alguma coisa. “Apenas na tipografia se falava mais abertamente, numa espécie de tertúlias”, conta. Fora isso, não se podia falar, “mesmo nas coisas mais banais já se era conotado como antirregime, o que era um problema”.
Curiosamente, estava de férias em Vouzela quando se deu o 25 de abril e aguardava a chegada de uns produtos para trabalhar. Não havia notícias e a música na rádio era diferente. Porém, foi quando o transportador lhe disse que encontrou barreiras de militares que percebeu que desta vez a revolução “era forte”.
Pela lente da sua máquina, o 25 de abril fez-se ainda a preto e branco, contrastando com as cores da alegria generalizada da população. Nessa tarde, recorda, as pessoas começaram “a falar mais à vontade na rua, a saltar, mas com um ‘mas’ sempre presente”. O comunicado das Forças Armadas a ler o manifesto, na televisão, com Fialho de Gouveia como locutor, chegou às 11 horas da noite e ajudou a serenar. João Ferreira já não dormiu.
Seguiu-se o 1º de maio, que “foi um colosso em Vouzela”. “Juntou-se toda a gente e encheu Vouzela por completo. A Alameda estava repleta de gente. Houve muitos discursos, toda a gente queria falar. Foi uma alegria. Foi extraordinário, mesmo”, lembra.
A nível político, o responsável recorda que foram nomeadas comissões para a Junta de Freguesia e outra para presidir à Câmara. “O Partido Comunista era o mais organizado. Para a altura, era preciso começar-se por algum lado. Aquelas que eram mais do agrado do povo ficaram, mas houve comissões que não duraram muito tempo”, nota, acrescentando que “os partidos também se apoderaram da situação, cada um queria impor a sua gente”. “Houve rivalidades políticas, mesmo no seio das famílias” e a alegria rivalizava com a falta de tolerância, lamenta.
Com as primeiras eleições, as coisas acalmaram e tudo mudou.