Ângela Carvalhas cresceu “livre e feliz”, com a infância a ser passada, “com grande liberdade de movimentos e sem grande supervisão”, entre as ruas e os quintais do centro urbano de Vouzela.
Conforme explica, pertenceu a uma minoria – a sua turma do 9º ano tinha apenas 13 alunos – que beneficiou de um ensino inovador, com acesso a livros, poemas e peças de teatro proibidos pela censura. Neste campo, o Externato de São Frei Gil “foi fundamental”, pois além dos professores responsáveis, como a Dra. Clara Simões e o Dr. Telmo Teixeira de Figueiredo, tinha outros docentes que vinham de fora e que, por razões políticas, não podiam exercer nas escolas públicas. “Isso deu-nos um conhecimento bastante abrangente, além das nossas questões familiares”, recorda, salientando que, “mesmo antes do 25 de abril, tinham já uma grande consciência política”. A este aspeto acrescia o fato de pertencerem “a uma elite que nos deixava as costas quentes para determinadas actividades que fazíamos na época” e de já ter na família e no círculo de amigos “muita gente da oposição democrática”.
Embora a vila fosse “mais livre e consciente”, havia “pobreza e desigualdades”, que se notavam em coisas simples, como o uso ou não de calçado na escola e o “Reservado” que existia no Café Central para pessoas com menos possibilidades.
O espírito revolucionário acompanhou Ângela Carvalhas até Lisboa, onde frequentou a Faculdade de Letras, época marcada pelas reuniões e pela tinta azul com que eram marcados, pela polícia de choque, os manifestantes, que encontravam refúgio nas livrarias do Campo Grande.
Após uma madrugada passada a desenhar foices e martelos, sabendo de antemão do golpe militar, eis que chega o 25 de abril de 1974, que recorda como um dos “mais felizes” da sua vida. Os dias seguintes foram passados na rua, recheados de momentos intensos, com tiros à porta da sede da PIDE, a libertação dos presos políticos em Caxias e a “alegria indescritível” da manifestação do 1º de Maio. Tudo o que fosse exaltação da pátria era afastado.
Com o primeiro ano da faculdade feito, e face à necessidade de professores, dada a democratização do ensino, Ângela Carvalhas veio dar aulas para Vouzela, em 1975, com 18 anos. Numa altura em que tudo parecia possível e era explicável e compreensível à luz da época, a liberdade dos programas abria as portas à criatividade por parte dos alunos.
Já na sociedade civil, e até á estabilização, viveram-se momentos tensos, extremados e assiste-se à formação de novos partidos. Vouzela era apelidada de Grândola do centro, com a docente a integrar os boicotes aos comícios do PPD/PSD e do CDS. “Estávamos sistematicamente a fazer perguntas e uns comícios não chegavam ao fim e outros terminavam de maneira menos própria”, conta.
Ângela Carvalhas pôde ainda assistir à evolução, em vários domínios, nas freguesias, onde as campanhas de alfabetização do Movimento das Forças Armadas se depararam com a falta de estradas ou de eletricidade, mas conseguiram levar ensinamentos e o debate de temas de interesse para a população.