“Novas Expressões do Território” é uma exposição audiovisual concebida pela Binaural Nodar em 2019 para a Programação Cultural em Rede da Comunidade Intermunicipal de Viseu Dão Lafões, a qual partiu de um conjunto de criações artísticas realizadas a partir de recolhas efetuadas em paisagens e junto de comunidades dos referidos catorze municípios da região, fluindo temáticas e narrativas que propõem dimensões poéticas, não literais, do património cultural local.

A ETERNA RODA DO BARRO PRETO
Molelos, Tondela

As crianças tocam a argila com o prazer da criação do mundo.
Basta olhar para as suas pequenas mãos em ação,
Moldando possibilidades, formas e funções.

E nesse momento, compreendemos
Que desde as primeiras rodas de oleio, talvez de Ur
Nesse mesopotâmico lugar entre rios de onde veio muito do que somos
A civilização se moldou com ímpetos parecidos aos destas crianças beirãs
Não aceitar imutável o que vem de trás, outrossim assumi-lo como ponto de partida
Para novas tentativas e avanços.

Por isso o património tem virtudes e também penas,
Por exemplo quando é celebrado e já não faz parte do quotidiano.

Mas voltemos a essa argila da criação do mundo,
Quartzo, feldspato, mica, óxidos e hidróxidos de ferro, pirite, calcite, dolomite, caulinite, ilite, clorite e vermiculite.
Assim foi no princípio, assim continuará a ser.

A roda de oleiro é também o ciclo do que é perene.
Fenícios, gregos, romanos, povos do norte.
Todos intuíram o valor do material que recebe – recipiente
Comida, azeite, água, vinho, ornamentação da casa.
Com a ajuda da força centrífuga proporcionada a uma massa informe
colocada no disco-roda e usando a tração dos pés.
Cem rotações por minuto são a senha para a ascensão da argila
E sua declinação em formas únicas dadas pela pressão dos dedos.
Assim foi no princípio, assim continuará a ser.

Essa argila sendo universal é também específica
Como na boa terra tondelense de Molelos.
Onde os antigos conheciam os depósitos de barro acinzentado
um que, com a cozedura em soenga, isto é, colocando a loiça numa cova pouco funda
Obstruindo esse forno-chão e deixando o fumo atuar,
origina objetos totalmente negros e parcialmente impermeabilizados.
Assim foi no princípio, assim continuará a ser.

E eis que o barro moldado por aquelas crianças
É finalmente levado à cozedura.
Como se o forno fosse uma maternidade de formas.
Assim foi no princípio, assim continuará a ser.

Ficha Técnica
Conceito original: Luís Costa
Registos sonoros e vídeo originais de Luís Costa, Manuela Barile, João Farelo, Liliana Silva e Rui Costa
Edição vídeo: Liliana Silva
Edição sonora, textos e voz: Luís Costa
Concepção do percurso expositivo: Luís Costa e Liliana Silva
Ilustrações: Liliana Silva
Produção executiva: Diana Silva