Zé Maria, o mais velho de três irmãos, teria cerca de oito anos quando começou a ajudar o pai e a ensinar aos irmãos – António e Domingos Rodrigues –, a arte da olaria.
Esta memória chega-nos pelo filho, Gumercindo Rodrigues, que começa por falar de uma infância difícil. A família, com oito filhos, morava “numa casa pequenina de aldeia [em Ribolhos], de pedra e madeira” e apesar de ter algumas propriedades, não eram suficientes para assegurar o sustento.
Naquele tempo, recorda, ainda havia, devido à guerra, senhas para se adquirirem os alimentos e todo o agregado contribuía. Os filhos mais velhos ganhavam o dia fora, enquanto os mais novos ficavam a ajudar o pai na olaria, nomeadamente picando ou peneirando o barro. O pai, nota Gumercindo Rodrigues, “não abdicava de amassar, por ser um processo que envolvia mais técnica”.
A programação do processo de trabalho começava de um ano para o outro, com a extração da argila, que acontecia geralmente nas Termas do Carvalhal. “Os oleiros eram homens com grande ciência, com grandes capacidades”, salienta, explicando que em finais de junho, julho, procuravam um terreno com humidade e pela cor conseguiam identificar a presença de argila.
“O barro ideal era em função das peças que o oleiro queria fazer. Tinha de ser uma liga boa, mas que também tivesse uma porção de areia para que a vasilha, depois de feita, pudesse secar e respirar”, explica, acrescentando que, quando se estava a cortar o barro, chegavam a atingir-se “quatro metros de profundidade, com uma largura à medida da veia”.
Os pelões eram depois acartados para junto da estrada, até que viessem os carros de vacas, sendo preferencialmente rogados os que tivessem sebe de vime ou de madeira.
“Era lindo. Vinham os carros até ao Largo do Cruzeiro, onde os pelões ficavam a secar”, recorda.
Gumercindo Rodrigues foi para Lisboa com os seus 20 anos, mas já sabia que as férias de verão eram para ajudar o seu pai a tirar o barro.
E continua: “A picagem não é menos importante”. Numa pia de pedra colocava-se a mistura previamente feita pelo mestre Zé Maria e com os picos de madeira ia-se moendo o barro, que era depois “peneirado com uma peneira mais fina do que a do pão”. O processo era repetido três vezes!
Depois, entravam as mãos do seu pai que, de uma forma particular, formava grandes bolas, que ia levando para junto da roda.
A próxima etapa era fazer a vasilha. “É o oleiro que manda no barro e ele sabe o que precisa de fazer para vender”, frisa.
As memórias das voltas da roda, o campo de forças na construção das peças, o uso do esquinote e da escanavita, o trapo que nunca era lavado para não perder a goma e o fanadoiro para ajeitar a peça também fazem parte deste relato. Conta o responsável que a vasilha ‘cantava’ quando estava pronta.
Após a secagem, também imprescindível “para o produto ser bom”, era hora da fornalha, que tinha grandes dimensões e chegava a cozer 200 peças. O centro era ladrilhado e um monte de resíduos ficava sobre a laje após cada utilização (já o carvão que sobrava era vendido).
Tudo era pensado ao pormenor: as cavacas com pez, um pouco de caruma a toda a volta, e encimada pelas codecas, para que o fogo fosse homogéneo; e o fumo a transformar as peças, dando-lhes a caraterística cor negra.
“A sabedoria que tinham é admirável”, conclui, com orgulho, Gumercindo Rodrigues.