“Cá” mostra uma “mater” dolorosa”, a qual, com passo solene, anda lenta e silenciosa através das ruas de uma aldeia abandonada. Sempre que ela se aproxima de uma casa, as suas paredes choram água. Uma vez chegada dentro de uma casa, ela encontra os restos de um antigo feixe de milho, provavelmente parte da última colheita feita na aldeia. Em seguida, começa um ritual de lamentação fúnebre. Na fúria destrutiva da lamentação, Maria vive uma morte simbólica para dar vida a uma nova Maria, a qual absorveu o conhecimento da aldeia e se dirige para longe para continuar a tradição.

Entre o paganismo e o cristianismo, o vídeo mostra a imagem de Maria como lamentadora no ato de padecer a morte: a morte da aldeia, símbolo do mundo antigo, representado pelo feixe de milho. O vídeo é construído em torno de alguns “tableaux vivants”, poses estáticas perto das portas, janelas e paredes de casas vazias que expressam, de um modo claro, simples e eficaz, conteúdos muito complexos. O objectivo é mostrar o presente, para torná-lo mais “real”. Os “tableaux vivants” alternam com imagens das paredes que choram a passagem da mulher; eles são de uma cor diferente do resto do vídeo: é uma forma de isolar essas imagens, sentidas como “necessárias” para enfatizar o sentido trágico da história contada.

A lamentação, o ritual do choro vinculado à colheita é um dispositivo para superar o trauma da morte, para dar forma à dor e as memórias relacionadas com o desaparecimento; é uma etapa fundamental para encontrar a força para continuar a viver.

Manuela Barile (n. 1978) é uma artista de origem italiana que vive e trabalha na região rural do maciço da Gralheira (S. Pedro do Sul) desde 2006. Aí desenvolve projectos em estreito contacto com as comunidades locais, tendo em conta aspectos específicos do território como a tradição, a memória, os símbolos e os rituais depositados no solo como marcas indeléveis. O seu trabalho artístico combina antropologia visual e sonora, documentário, vídeo arte, performance art e performance vocal, tocando questões íntimas como a morte, a pobreza, o trabalho, a felicidade, a emigração, etc. A arte de Manuela Barile é uma investigação contínua sobre a realidade, sobre o estar no mundo, sobre a experiência pessoal. Usando como ponto de partida a sua própria existência e a de pessoas comuns, o trabalho da artista é capaz de transformar a experiência individual num lugar de projecção colectiva. Como performer vocal, embarcou em 2001 num percurso pessoal na área da experimentação vocal aplicada à improvisação livre. A artista baseia-se no uso de “técnicas vocais estendidas” focadas na relação entre voz, corpo, paisagem sonora e propriedades acústicas dos lugares. Manuela Barile é presentemente diretora artística da Binaural/Nodar, organização para a qual criou inúmeras obras audiovisuais, muitas das quais co-financiadas pelo Governo de Portugal e por fundações privadas em Portugal e em Itália (“Moroloja”, “Locus in Quo”, “Oikos”, “Rheia Zoontes”, “A Esposa” etc.). As suas obras foram exibidas em múltiplos festivais e espaços expositivos nacionais e internacionais: Australian International Experimental Film Festival, Cologne OFF, Óptica Madrid, Óptica Buenos Aires, Videoholica, Festival Internacional de Cinema de Camden (US), Marco (Vigo), Espaço Isto é Normal (A Corunha), Museu Bienal de Cerveira, Espaço Performas (Aveiro), Teatro Viriato (Viseu), etc.