[chama as vacas]
01:28 O semeador também tem que ir não é? Para semear o milho. – ? Mas eles querem semear – Ai querem? – Bota lá para dentro.
01:41 Só um cambão chega – está tudo?
05:59 Esta exposição A Vaquinha no Vouguinha que apresentamos no Festival Imaginarius 2013 na Feira, nomeadamente no antigo espaço do matadouro municipal, na estação de caminhos de ferro do Vouguinha, no mercado municipal, nasceu de uma necessidade da Binaural de explorar fundamentakmente documentação da memória do território, documentação antropológica, baseada em entrevistas e recolhas sonoras, relacionadas com raridades daquelas zonas rurais e reconfigurar esse material num fomato híbrido, que fica algo entre a documentação, no fundo quem vem ver e ouvir esta exposição, consiga de uma forma muito clara perceber o tema, o contexto, qual a tipologia do território subjacente às gravações e, ao mesmo tempo, pela própria disposição do espaço, pela utilização de alguns edifícios, neste caso os panos que aqui colocámos, neste antigo matadouro, apontar já para uma ótica de criação artística ou uma exposição profundamente artística.
07:39 Sendo eu quem teve a ideia original de fazer este trabalho, de alguma forma assumo a condição artística deste trabalho, fundamentalmente há essa pesquisa, essa tentativa, de procurar novos meios e novos contextos de apresentar a memória do território no âmbito do trabalho que a Binaural está a fazer com o Arquivo da Memória de Lafões, do Vale do Paiva e do Vouga, que está inserido numa rede europeia, a rede Tramontana, da qual fazem parte outros parceiros, Italianos e Franceses, e, portanto, estando a Binaural envolvida desde há bastantes anos em acolhimento, em residências e criação artística também, em organização e curadoria de exposições, estamos então a fazer este trabalho de conceber mostras para espaços que sejam relevantes para a documentação em causa, neste caso obviamente o transporte através do antigo comboio do Vale do Vouga, o Vouguinha, de gado bovino, de raça Arouquesa, do Maciço da Gralheira, portanto ligámos dois tipos de realidades, a questão do comboio por um lado e a questão do gado bovino, recolhas essas que foram realizadas pela equipa da Binaural, pela Nely Ferreira Manuela Barile, Ricardo Frade, e por outras pessoas, que na prática com esta exposição se agrega alguma dessa documentação.
09:16 Há o interesse nosso também de trazer o rural a espaços não rurais. Há como que uma missão entidades, associações, estruturas culturais que trabalham em contextos rurais, há essa missão, de trazer a realidade rural até À cidade, há o afastamento crescente, quase sociológico, em relação ao mundo rural, o território rural é hoje visto como um território de ócio, em que as actividades tradicionais estão deliberadamente a ser esquecidas, mesmo pelos poderes instituídos locais, e, como tal, havendo ainda uma vivência bastante profunda, ainda com diversidade, com complexidade e com pessoas a viver nas aldeias, há também o lado de usarmos essa bandeira do rural assumido, do nosso quotidiano nas aldeias, trazê-lo até contextos ou semi-rurais, semi-urbanos, ou já assumidamente urbanos ou cidades desde sempre, precisamente para estimular este pensamento sobre o outro Portugal, sobre este outro Portugal que alimenta o Portugal urbano, em termos alimentares e em termos de sonhos, muita gente tem o sonho de voltar para a terra, há também a quase mitificação da própria ideia de paisagem rural, e é essa paisagem que leva a que muita gente a procure, é este exercício de confronto de alguma forma que procuramos.
11:09 Estamos neste momento no antigo matadouro do mercado municipal, local onde eram abatidas as ? de todos os locais à volta, em termos de gado bovino, nomeadamente da serra, portanto é natural que muito gado que vinha de comboio , até mesmo aqui ao lado, a estação de comboios da ex Vila da Feira, Santa Maria da Feira, era mesmo aqui ao lado, portanto, este local tem essa carga simbólica, estamos no epicentro do abate, e quisemos trazer a vida, seja a vida dos criadores, seja imagens de gado vivo e de gado que está no território, na paisagem. Este é o núcleo central da exposição onde algumas entrevistas com alguns dos criadores sobre os detalhes mais ínfimos sobre os detalhes do processos de criação de gado, do nascimento à morte, das doenças, dos feitios dessas pequenas histórias ligadas com a criação de gado, ao mesmo tempo um trabalho de antropologia sonora e visual, mais a ver com o gado na paisagem e nos próprios pastos, e é a confluência destas duas realidades que se juntam neste espaço.
18:00 Vou exlicar porque é que estão aqui hoje e porque é que vieram para dentro de um matadouro. Represento uma associação de um concelho de São Pedro do Sul, pertence a Viseu mas está ligado a Arouca por isso não muito longe daqui. É uma zona de ombtanha e de serra onde havia e ainda há a criação de gado bovino como uma das actividade principais da raça bovina Arouquesa .Lá naquela serra é tudo dessa raça, então nós que trabalhamos muito nessas aldeias começamos a pensar (…) que um dia uma vaca junto com outras foi levada num comboio, pelo Vouguinha, pelo comboio do Vale do Vouga. De São Pedro do Sul até talvez a este matadouro. Eles punham as vacas para ir para o matadouro dentro de um comboio do Vale do Vouga, e eu não sabia disso e houve alguem que me contou. Então houve uma pessoa que contou essa história de que uma vaca tinha sido levada e no dia seguinte o vitelo, filho dessa vaca, percorreu dez quilómetros a pé ou à pata até à estação dos comboios, à procura da sua mãe, e foi uma história que nos marcou tanto. Eles são como as pessoas, conhece a mãe e ficou tão preocupado com a mãe que foi até chegar à estação de comboios. Sentiu que tinha sido o dia em que a mãe tinha sido morta, o vitelo não sabia que era ali mas sentiu que era ali e ali parou à beira da estação dos comboios. Então começamos a pensar nesta coisa do comboio e das vacas, e então fomos à procura de gente que ainda cria este gado Arouquês lá na zona das serras, e então, tivemos este convite deste festival Imaginarius aqui da Feira, para trazer estas histórias de gado vivo e de gente que ainda cuida e trazê-los para o matadouro que era onde matavam antigamente. Hoje vamos ver e ouvir histórias com o gado que ainda está vivo, coisas gravadas há pouco tempo e é como se o gado voltasse mas agora vivo, já não para ser morto aqui no matadouro. Isto é um bocado a lei da vida, a gente sabe que precisa de carne para comer, este era o sítio do abate, a gente gosta, eu gosto muito de bife, de carne
21:13 …antes era numa pedra e com uma mangueira e mais nada. Isto já foi no meu tempo – Já viu? Isto já é posterior – Vinha parar muito sangue de vaca para a gente comer –(…)
24:46 E ele disse que o gado hoje vai para Vale de Cambra. Sabem o que é Vale de Cambra? – Sim! – O matadouro para onde hoje as pessoas os levam é o de Vale de Cambra, pelo vistos é o maior aqui da zona, não sei, antigamente havia outras mas hoje todos falam de Vale de Cambra. Os criadores nunca veêm o gado, simplesmente alguem os leva, chega uma carrinha e leva-os – (…) quando vendem vai uma carrinha e vão lá os compradores, por isso é que ninguem sabe o que acontece depois, para eles já não lhes interessa. Queria-vos perguntar uma coisa, por aquilo que viram aqui, utilidades do gado bovino? – Para comer, leite, transportes.
25:46 O carro das vacas era um trator das pessoas, depois vieram meios mais mecânicos mas antigamente era o arado para as terras. As alfaias era colocadas de forma a que duas vacas unidas conseguissem ser o meio de trabalho. Uma coisa interessante, em cada aldeia as pessoas reconheciam o som dos carros das vacas ao longe. Antigamente os carros de vacas tinham muit gente, vamos imaginar uma aldeia com trinta famílias, era muita muita gente, e elas conseguiam saber que era o carro de vacas do tio Manel ao fundo, isto porque os carros de vacas chiavam muito, e então eles recuavam para chegar mais ao menos, com mais óleo ou menos óleo, e pelo tipo de bandeira conseguiam perceber qual era o carro. Os carros tinham essa função e eram ajustados. Vocês hoje vêm um carro ao longe e reconhecem, antes era mais ou menos igual, ele reconheciam o ruído dos carro de cada família, e nas aldeias havia sempre um carpinteiro e as aldeias conseguiam viver por si só, não havia supermercados, nem nada disso, As pessoas comiam da terra e a vida delas era feita às vezes sem dinheiro, havia pessoas que só viam dinheiro muito mais tarde, quando já eram adultas. Em algumas aldeias isto foi há trinta anos, quarenta anos, Portugal mudou muito nos últimos tempos, só que ainda há pessoas que gostam de trabalhar nas aldeias.
31:29 Estamos nos postos de venda do mercado municipal de Santa Maria da Feira, agora é um local pouco usado, existem dois ou três locais que possivelmente eram utilizados de eleição, em termos de público, e especificamente estamos no antigo talho, no local que foi o antigo talho. Para este local optámos por conceber uma peça que reflete duas realidades que são paralelas, por um lado uma matriz sonora e visual, feita de paisagens audiovisuais, ligadas ao gado bovino, particularmente a relação com as crias, muito presente nesta filmagem, tanto na parte sonora como no video, e, por cima dessa camada, colocámos uma série de textos que foram objetos de prsquisa relacionados quer com a especificação, identificação da carne, antes da carne da raça, que é a raça Arouquesa, quais as suas características detalhadas, tal e qual vêm descritas na doxumentação da Ancra, Associação Nacional dos Criadores da Raça Arouquesa, e, por outro lado uma relação com a gastronomia, feita por duas componentes, uma um livro de de cozinha do início do século XX chamado A Cozinha Imperial, que refere todos os fatos ligados à vitela inclusivé com uma linguagem que poderíamos considerar mais crua, e mais bruta do que hoje em dia se faz, portanto de alguma forma refere esse lado de ponta final do processo de vida do animal que depois é incorporado num fato cultural gastronómico em que a linguagem, os modos de falar e as expressões já são outras e já não têm a ver com o animal vivo, já são objeto de um êxtase de paladar que evidentemente tem o seu epicentro na região da zona de Alvarenga, com o bife de Alvarenga, muito conhecido, globalemente do Maçiço da Gralheira, com a vitela à moda de Lafões. Portanto sendo certo que é um fator importante cultural, a gastronomia, mas quase como um fim de história irreversível, natural mas que quem acompanha por exemplo um animal específico, ao pensar neste processo e como este processo acaba, há um lado de melancolia do fim da história específica do animal.
34:54 Estamos na estação de comboios de Santa Maria da Feira, um dos locais para onde o gado do Maciço da Gralheira era transportado, em vagões, no comboio do Vale do Vouga, até há cerca de 30 ou 40 anos atrás. De alguma forma, a nossa opção foi uma relação sonora, a narrativa é sonora, e liga dois elementos, o som do carro de vacas captado numa aldeias, utilizado para a sementeira por exemplo, para a desfolhada ou os vários elementos do ciclo agrícola, e é um som característico que as pessoas das aldeias reconhecem como o som delas, de alguma forma, aqui, nesta cidade, esse som parecerá estranho, ruidoso ou eventualmente desagradável, mas de alguma forma queríamos trazer este som tão rico atropologicamente porque remete para uma realidade que praticamente já desapareceu, e quem sente essa realidade, neste caso da importância dos carros de vacas das aldeias, de alguma forma este som quase que se transforma em música celestial para os nossos ouvidos. A segunda componente sonora é o próprio som do comboio cuja inserção na peça não é literal, ou seja, foi através de um processamento sonoro de fragmentos captados nas aldeias, nomeadamente do carro de vacas mas também de gravações em estábulos, em pastos, que foi manipulada por um conjunto de sons por forma a construir um fluxo que se assemelhasse ao som do comboio. De alguma forma tem esse caracter de síntese, a conjugação de alguns sons, rurais que em síntese transformam o som parecido com o som do comboio. De alguma forma acabámos sempre por utilizar recursos de narrativa e de material audiovisual exclusivamente da montanha. Portanto esta é uma peça sonora que tem esses dois momentos, dois momentos esses que de alguma forma também estão associados aos dois lados da estação, há um primeiro momento que de alguma forma remete para a chegada das vacas, através do som claro e explícito do carro de vacas, que se liga por sua vez com os sons das campanhinhas dos chocalhos das vacas que se ouvem no matadouro. Portanto há aqui um contato sonoro com os dois elementos da instalção, e do lado da linha temos os dados mais processados que se assemelha ao som do comboio. De alguma forma aqui neste local há este momento de passagem entre estes dois mundos, o mundo rural e o mundo urbano. Tudo o que acontece a partir deste arco obviamente já é um processo de abate, de venda de carne num contexto que já é urbano.