No seio de uma família de sete irmãos, Abílio Pereira de Carvalho nasceu em Cujó, concelho de Castro Daire. Como era comum naquela altura, os rapazes fizeram a quarta classe, uma oportunidade que não esteve ao alcance das suas irmãs.
Completado que estivesse este ensino “teórico e livresco”, seguia-se para a vertente prática daquilo a que o docente chama de “Universidade da Montanha”, cujas “cadeiras nucleares” eram agricultura e pecuária.
Como os seus pais tinham gado caprino, ovino e bovino, o trabalho era dividido alternadamente entre todos, ficando as raparigas também com a missão de aprender com a mãe o trabalho doméstico. As casas, recorda, eram cobertas de colmo e assobradadas, com os animais nas lojas, em baixo, e a habitação na parte de cima.
Foi este ambiente de pastorícia pela serra e de labor da terra que marcou a sua vida até aos 18 anos. “Antes de saber manejar a caneta, aprendi a manejar a aguilhada”, garante, falando de “uma geração rota, esfarrapada e descalça”. Teve os primeiros sapatos quando foi para a tropa, de pois de ter-se voluntariado para o Regimento de Infantaria 14, em Viseu.
O seu pai, lembra, era um homem que, apesar das dificuldades, “sempre se interessou pela proteção dos filhos, que vingassem na vida”.
Terminada a vida militar, tinha já a vontade de ‘ganhar asas’ e ir para África, uma viagem de ida e volta que custava 8 contos na Companhia da Navegação.
No Ultramar, foi guarda-fios dos correios e assumiu outros cargos na Função Pública até ter ingressado nos estudos universitários, onde se formou como professor.
O dia-a-dia, a toponímia e curiosidades históricas fazem parte do álbum de memórias passadas no Ultramar, onde se encontrava quando se deu o 25 de abril de 1974.
Este é um momento, frisa, que “só vivido”, pela “alegria e contentamento que foi chegar a liberdade”.
O mesmo sentimento manteve-se no regresso à Metrópole, quando ficou colocado em Castro Verde, no Alentejo, onde o 25 de abril era uma festa, quer nas ruas como nas empresas.
No regresso à sua terra natal, encontrou “um mundo apagado”, mas foi procurando investigar mais sobre o impacto da revolução em Castro Daire. Através de um grupo de amigos, em que se incluíam Alcides Guedes, Araújo Gama, Alexandre Pinto e António da Cunha, conseguiu reunir um espólio documental daquela época marcante, que continua a servir-lhe de inspiração.
TEMPOS QUE CORREM
ABRIL
Liberdade, igualdade, fraternidade
Bandeira de esperança de muitas cores
Qu’é dela?
Que foi feito dessa primavera
Desse jardim de mil aromas, mil flores
Que murcharam, mirraram, morreram
Em quarenta anos apenas?
Onde estão as minhas Tróias, as minhas Helenas?
Neste mês de Abril
Passados
Quarenta anos da revolução dos cravos
Como posso cantar glórias e hinos
Se nos tempos que correm
Em torno de mim dobram os sinos
A chorarem os que famintos morrem
E a cantarem os que morrem empanturrados?
ABRIL
Quem viu um botão de rosa a abrir
Tornar-se rosa e deixar de ser botão?
Quem, na sua vida, algum dia
Da natureza viu tal magia?
Vi eu.
E quem tal não viu nem viveu
Quem não viu um botão de rosa a abrir
E a tornar-se rosa o botão
Não,
Não viverá Abril.
Dele ouvirá falar na história
Mas nunca terá na memória
O entusiasmo
E a alegria de viver contra o marasmo
E o silêncio vividos até então.
Não,
Não é lição
Nem é sentença
Sequer.
Mas quem não viveu tal
Criança, homem ou mulher
Para seu mal
Não saberá o que é ser pertença
Daquela maré de gente
Daquela multidão
Imensa
Que nas colónias e no continente
Cantava até à rouquidão
A Grândola Vila Morena.
Isso para seu mal.
Mas, para seu bem
Também
Não sentirá o ruir dos sonhos
De todas as Marias, Manéis Tonhos
(Um dos quais era eu)
Despertados do Morféu
Onde dormíamos a noite serena.
13 de abril de 2014