O 25 de abril de 1974 é, para Celeste Almeida, “uma data que ninguém pode esquecer” pelas mudanças positivas que trouxe. Os rumores de que algo diferente estava a acontecer chegaram, no entanto, na noite anterior, pois a emissão na telefonia já tinha sido diferente. Conforme recorda, os pais já tinham o hábito de adormecer e acordar ao som da rádio, incluindo a Marconi, de onde chegavam as notícias da guerra colonial.

Já pela televisão, a preto e branco, marcaram-na as mensagens dos três irmãos que foram mandados para combater em África e que, pelo Natal, iam à televisão, em Moçambique, enviavam uma dedicatória à família. “Os militares passavam de fugida e deixavam a frase “Adeus e até ao meu regresso”. Mas nem todos voltavam”, lamenta, trazendo à memória “os relatos trágicos e assustadores”.

Tendo a família residência no Canedo – Mangualde, naquele dia histórico Celeste Almeida preparava-se, como era habitual, para o pai a levar de motoreta até Mangualde, onde apanhava a carreira para Viseu, dado que frequentava o Magistério Primário. Recorda-se de a mãe, que era uma pessoa já com alguns conhecimentos para aquela época e que sempre gostou de ler e de estar a par das coisas, dizer: “Aconteceu qualquer coisa em Lisboa”. Mas como estava atrasada, saiu.

A informação ganhou maiores contornos assim que entrou na carreira e encontrou “muitas pessoas em pânico” e outras “felizes, contentes”. O motivo era o mesmo: “tinha acontecido uma guerra. Tinha acontecido uma revolução em Lisboa”.

“Havia uma dicotomia de dois sentimentos muito díspares um do outro. Porquê? Porque havia as pessoas bem conectadas com o Estado Novo, que sabiam muito bem o que estava a acontecer e como é que nós vivemos. E havia aquelas pessoas que viviam constantemente na ignorância, no desconhecimento”, recorda.

Aquela manhã de primavera, “muito ansiada”, trouxe também o grito: “Somos livres! Somos livres!” e à chegada ao Magistério “era uma euforia total”. Para trás ficava “um regime duro, que não nos dava liberdade para nada”. “Sabíamos o que era o pânico de falar”, conta.

Os dias seguintes trouxeram logo mudanças na Direção e nos docentes e deram voz aos estudantes. Já em sua casa, “era um contentamento sem tamanho”.

Em 1975, a vida profissional levou Celeste Almeida até às aldeias da Serra do Montemuro, marcadas pelo isolamento e onde “o 25 de abril ainda não tinha chegado”. Começou a lecionar em Ramires, onde “as crianças não tinham nada e o pouco que tinham era levado pela professora ou pelo padre”. Mas não faltavam “amor e carinho”.

Seguiu-se Pimeirô, ainda com alguns dos princípios da ditadura presentes na Igreja, em que os contracetivos não eram bem-vistos e significavam a ida para “o inferno”.

Conforme recorda, eram aldeias do Portugal profundo, que ficaram no esquecimento, com uma imensa pobreza causada pelo Estado Novo e de onde só se saía para reuniões em Cinfães, de férias ou em dias de feira.

As crianças iam descalças para a escola e com cordões de serapilheira a segurar as calças, a maioria das casas não tinha luz, à exceção das famílias que tinham estado emigradas no Brasil; e as brasas do lume eram emprestadas entre vizinhos quando a caixa de fósforos acabava e só se podia comprar na próxima ida à feira.

Neste “país diferente” e “cercado por muros”, considerava-se uma privilegiada, por ter sido acolhida em casas que “tinham algumas condições”.

Hoje, recuando na história, nota que “pode ainda haver mais a fazer, mas estamos muito melhor”.