Natural de Vouzela, foi esta vila que acolheu Gil Silva até aos 10 anos. Para trás ficava uma “infância engraçada” e repleta de peripécias, marcada pelo rigor do ensino, por foguetões de lata e submarinos que funcionavam com a explosão de pólvora e por corridas de barcos de corcódea e velas de papel.

A época pautava-se ainda pela grande rivalidade entre os habitantes de Vouzela (espicha-sapos), de Oliveira de Frades (rabinos) e de São Pedro do Sul (ceboleiros).

Depois dos estudos em Viseu, Gil Silva foi trabalhar para um banco, em Lisboa, e cumpriu o serviço militar, em 1969, em Moeda (Moçambique), onde ficou dois anos.

Em janeiro de 73, regressou às funções na área financeira. Embora não fosse politizado, “tinha tendência para a atividade”. Em praça pública, o ambiente também já “estava um bocado agitado” e faziam-se manifestações mais ou menos silenciosas, mas visíveis. Em resposta, a “polícia do Estado, a DGS, que substituiu a PIDE, não tinha vergonha e andava na rua a malhar no pessoal”.

Com as reivindicações a adensarem-se, começaram a fazer-se assembleias gerais depois do trabalho e quando a polícia aparecia nas reuniões clandestinas na sede do sindicato, na Rua de São José, fugia-se pelo telhado, conta Gil Silva. No Banco Português do Atlântico, onde laborava, integrou o grupo de nove elementos que, durante largos meses, preparou um caderno de exigências para apresentar à Administração.

A entrega foi marcada para o dia 25 de abril de 1974, às 10 horas da manhã. “Não fosse o diabo tecê-las”, dividiram o grupo em três, ficando cada um com um caderno. Gil Silva dormiu em Lisboa, perto do banco, para garantir que não faltava.

“Vinte e cinco de abril levantei-me e vim para a rua. O sururu lá na cidade, lá na zona. O sururu, tinha havido uma revolução durante a noite. Não havia transportes públicos e eu cá para comigo: eu estou safo porque vou bem a pé até ao banco e tenho o caderno. Portanto, assim eu lá consiga chegar. E fui. Fui direito ao banco, tive que passar no Terreiro do Paço, onde estavam concentradas as tropas revolucionárias, mandei chamar lá uns soldados, pedi para me chamarem um oficial. O oficial vem e mostrei-lhe o caderno das reivindicações e disse-lhe: olhe, temos marcado para hoje, às 10 horas, a entrega do caderno de reivindicações no Conselho de Administração do banco. Não quero faltar, arranje alguém que me acompanhe. Lá me arranjou pessoal para me acompanhar, uns militares, lá chego ao banco. Nenhum dos meus colegas compareceu”, recorda. Assim, entregou o documento ao vice-Presidente da Administração e pediu uma cópia assinada e carimbada.

O resto do “maravilhoso” dia foi vivido pelas zonas quentes da cidade, com ruas cheias de gente, militares a circular em chaimites e a assistir às fugas da PIDE e a alguns tiros disparados. Gil Silva ainda apreciou a evolução dos acontecimentos de uma varanda antes de ir parar ao Largo do Carmo e ao quartel onde estava refugiado Marcelo Caetano e onde se viria a dar-se a rendição.

“Era um sentimento desmedido, habituados a não poder piar e a andar sempre em fuga naqueles movimentos de contestação. Naquele dia é o nosso dia, para quem gostava e queria manifestar-se”, sublinha, acrescentando que “a liberdade saltava por todos os lados, as pessoas andavam pelas ruas, as pessoas cantavam, as pessoas pulavam, as pessoas andavam eufóricas”.

Seguiram-se alguns constrangimentos, com as rebaldarias, a quase ausência de poder, o risco de anarquia e os avanços negativos do ‘bota abaixo’.

Como era delegado sindical, foi necessário reinstalar alguma ordem também no serviço.

Em jeito de balanço, Gil Silva lamenta o oportunismo, a corrupção e que o país tenha perdido capacidade interna de produção, bem como o esquecimento a que foi vetado do Interior. Por outro lado, aponta conquistas positivas e elogia a criação de reformas, a atribuição de subsídios em caso de desemprego e o acesso a cuidados de saúde gratuitos.