Início de janeiro de há 50 ou 60 anos atrás: noites escuras, um frio de rachar, o fumo que saía das lareiras, os corações enlevados com Jesus Cristo recentemente nascido, uma nova esperança cíclica que se estabelecia.
Novo ano, carne de porco na salgadeira, novas sementeiras e novas colheitas que virão, desejo de saúde e prosperidade para a comunidade. É, pois, o momento ideal para pedir um contributo àqueles que têm para dar.
Estamos, pois, no domínio do mais ancestral desejo de bonança e de fartura, tal como os idos gregos, romanos e celtas já bem sabiam.
Depois do solstício de Inverno a esperança é sempre a subir e as Janeiras são esse primeiro “entrudo” antes do tempo, essa primeira libertação ritual de inverno, com a certeza de que a Primavera há-de chegar em breve.
As Janeiras originalmente desenrolavam-se na noite do primeiro dia do ano, assumindo a forma de um peditório cantado, acompanhado por vezes de instrumentos, com preponderância de instrumentos de cordas e percussão.
Os grupos que pretendiam levar a cabo as Janeiras – os janeireiros – juntavam-se nas noites anteriores para combinarem os versos das cantigas, o percurso a seguir através do casario da povoação e para ensaiarem os descantes, as vozes solistas e os coros de cada cantiga.
Na noite do primeiro de Janeiro, o grupo iniciava o percurso, levando sempre uma candeia de petróleo ou lampião a qual, diz a tradição, não se podia apagar durante toda a noite, devendo para tal ser pedido azeite nas casas às quais se ia cantar.
Batiam à porta de cada casa e, depois de se certificarem que os donos estavam presentes, davam início às cantigas, as quais tinham uma parte introdutória com os votos de boas festas, seguida de dois tipos de quadras, umas elogiando a família e outras sendo crescentemente pícaras quando se começava a tornar evidente de que não iria existir qualquer recompensa monetária ou em víveres.
O produto em bens alimentares (chouriças, salpicões, ovos, galinhas, frutos secos, vinho, etc.) recolhido durante os cantares era posteriormente repartido no âmbito de um convívio organizado entre os participantes nas Janeiras.
Os cantares de reis tinham uma lógica semelhante aos das Janeiras, sendo que eram executados na noite de Reis, em 6 de Janeiro, celebrando especificamente a visita dos reis Magos a ao Menino Jesus e ligando a opulência e a dádiva dos mesmos reis ao peditório que implicava os cantares.
Nesse sentido, as quadras eram naturalmente diferentes daquelas das Janeiras, com uma inspiração mais religiosa, sendo que constatámos existirem aldeias em que se costumavam cantar as Janeiras e não os Reis e vice-versa.
Nas Janeiras de antanho quando os peditórios não tinham o resultado desejado os grupos de jovens das aldeias eram capazes das piores malfeitorias jocosas como parte do seu processo de emancipação e crescimento.
Finalmente, entre os múltiplos exemplos de tradições de Janeiras, é possível constatar uma profusão de elementos de origem pagã que se foram “normalizando” ou “esvanecendo” ao longo dos anos, como as chocalhadas da pequenada no dia do Ano Bom com a função de “expulsar o Inverno” ou o costume de fazer (ou não fazer) nesse dia tudo o que se quer repetir (ou evitar) ao longo do ano, como não vender a fiado ou ter pão com fartura em casa, pois como diz o ditado popular:
Se o ano começa com fome,
em fome se vive todo o ano.