Nas aldeias da serra do Caramulo eram eram comuns até há poucos anos atrás os “entremezes”. O entremez, ou acto único, é uma tradição eminentemente ibérica que consiste quase numa peça teatral de cariz popular que explora, por vezes com mordacidade cómica, os aspetos da vida real, seja de personagens locais seja de acontecimentos nacionais, conferindo-se um teor abertamente burlesco e pícaro. As peças são normalmente escritas e interpretadas por habitantes locais, sendo que antigamente aproveitava-se como inspiração certas histórias que eram vendidas nas feiras e romarias na forma de folhetos de literatura de cordel.
A origem do Entremez é muito antiga, remontando-se aos autos medievais e aos jograis que percorriam feiras para divertir a população. Estas obras eram produzidas em grande número entre os séculos XVIII e a primeira metade do século XX. Nas palavras de Carlos Nogueira em “Aspetos da literatura de cordel portuguesa:
“O fidalgo bronco ou aprendiz, os poetastros ociosos, as velhas casamenteiras, os médicos, os boticários, os curandeiros, as damas falsamente devotas, os velhos amantes serôdios, os avarentos, os peraltas e vários outros grupos comparecem, nos entremezes e nas comédias, com os seus traços picarescos, os seus defeitos de corpo e de alma, as suas superstições, as suas crendices, o seu casticismo. Era nos entremezes, dirigidos a um público de gosto menos apurado e de riso mais fácil, que os legados temáticos de Gil Vicente ou de Francisco Manuel de Melo mais se faziam sentir. Assentes em diálogos obscenos e com tramas cujo eco se encontra no “Engano do Fidalgo Aprendiz” de Francisco Manuel de Melo, surgem inúmeras peças em que o fidalgo pelintra de Quinhentos ou Seiscentos se metamorfoseia em peralta presunçoso e vão. Títulos como “Entremez Intitulado O Velho Peralta” ou “Novo Entremez Intitulado O Castigo Bem Merecido à Peraltice Vaidosa” são bem elucidativos da tendência para a sátira e para o cómico que atingia uma das classes que mais ataques impiedosos suscitavam.”
Na aldeia de Campia todos os anos se representam por alturas do carnaval vários entremezes, escritos e representados por jovens da aldeia ligados ao “Grupo Carnavalesco de Campia”, o que constitui um exemplo muito interessante de transmissão e de manutenção de uma tradição popular local.
Gravado e editado por Liliana Silva em 4 de março de 2019.