O contexto rural do norte e centro português, do qual a sub-região de Lafões faz parte, é caracterizado por um sistema de propriedade fundamentalmente minifundiário, ou seja de propriedades familiares de pequena ou média dimensão, cujas origens tanto têm a ver com as características geomorfológicas da região, predominância de montanhas e vales com propriedades agrícolas conquistadas arduamente à natureza, como com os antecedentes medievais da propriedade fundiária em que os domínios senhoriais entregues pelos reis a nobres e soldados continuaram, muitos séculos mais tarde, a ser inalienáveis, indivisíveis e não passíveis de partilha por morte dos seus titulares. A juntar a estes fatores, o próprio regime legal de heranças fundiárias só foi estabelecido a partir do século XVIII e com muitas resistências locais, pois a situação normal era a de evitar o fraccionamento da propriedade para assegurar a sua rentabilidade, em que pai e mãe podiam beneficiar um único filho ou filha, colocando os restantes irmãos numa situação de profunda desigualdade.
Apenas a partir do século XIX se foi gradualmente democratizando o acesso à terra devido a uma legislação cada vai mais respeitadora dos direitos sucessórios e, já no século XX, devido às próprias mudanças sociais, em que muitos dos herdeiros dos antigos senhores das terras acabaram por abandonar o mundo rural por terem conseguido estudar e por conseguinte terem passado a viver nas cidades, pelo que essas terras puderam finalmente, após séculos de servidão, ser compradas por herdeiros das antigas famílias de “criados de servir”, ou seja de servos domésticos assalariados e/ou com pagamento em proporções da produção agrícola e que não tinham até esse momento qualquer terra em seu nome, apenas o direito de cultivar pequenas hortas em redor das casas cedidas pelos proprietários.
A entrevista ao senhor Henrique de Figueiredo, antigo criado de servir da aldeia de Aldeia (toponímico curioso), município de São Pedro do Sul é reveladora das condições em que viviam muitos assalariados rurais do interior português, em que a iniquidade e a discricionariedade eram comuns. Não obstante, mesmo os mais pobres tinham os seus momentos de diversão, como os bailes tradicionais “mandados” aos quais muitos jovens rapazes chegavam depois de andarem horas a pé, desde a sua aldeia. A entrevista foi realizada numa das últimas “vendas” tradicionais, misto de taberna e de loja de venda de produtos de necessidades básicas e que serviam também de ponto de encontro para longas conversas, principalmente nos dias de inverno ou nas tardes quentes de verão.
Entrevista realizada por Luís Costa e gravada por Luís Costa (som) e Manuela Barile (imagem) em 27 de junho de 2013, em Aldeia de Sul, freguesia de Sul.