Num hino a Demetra, Homero disse que quando a sua filha Perséfone foi raptada por Hades, o Deus do submundo…

“Uma dor aguda tomou-lhe o coração e ela rasgou com as próprias mãos o véu que envolvia os seus cabelos divinos. De ambos os ombros arrancou o seu manto escuro e atirou-se como um pássaro selvagem sobre a terra firme e sobre o mar, procurando a sua filha. Mas ninguém lhe queria contar a verdade, nem entre os deuses nem entre os homens mortais; e nem entre os pássaros um verdadeiro mensageiro veio até ela. Então, durante nove dias a soberana Demetra vagueava pela terra, com tochas acesas nas mãos, encontrava-se tão aflita que nenhuma vez provou a ambrósia e o néctar suave, e nem o seu corpo se lançou nos banhos.”

“Moroloja” é um vídeo inspirado no hino a Demetra de Homero. Mostra uma mulher jovem vestida de preto. Ela está sozinha, sentada numa cadeira dentro de uma casa abandonada em Nodar (Portugal). Ela é Demetra, a deusa do grão e da fertilidade. Ela está a sofrer sozinha, porque perdeu a sua filha. Ela está a viver a experiência do luto. Na sua dor, ela é humana e vulnerável. Depois da imobilidade, começa um ritual de choro e cântico, aquele que evoca os lamentos de luto de Salento, no sul da Apúlia, a região Italiana onde a artista nasceu.

Os “Moroloja” são cânticos das “prefiche”, mulheres pagas para se lamentarem durante a vigília do luto da morte de alguém no Salento. Estas mulheres costumavam cantar músicas aflitivas com mímica violenta e frenética, misturada com choros e gritos. Levavam um lenço branco nas mãos que era sacudido e agitado, criando uma espécie de dança rítmica. Nestes cânticos antigos não existiam quaisquer referências ao conceito Cristão da morte e da ressurreição. Depois da morte, existe apenas a dissolução, a noite escura. Nos cânticos, as referências à morte personificada (Thanatos) e ao prenúncio da Fada que determina o destino eram frequentes.

Manuela Barile (n. 1978) é uma artista de origem italiana que vive e trabalha na região rural do maciço da Gralheira (S. Pedro do Sul) desde 2006. Aí desenvolve projectos em estreito contacto com as comunidades locais, tendo em conta aspectos específicos do território como a tradição, a memória, os símbolos e os rituais depositados no solo como marcas indeléveis. O seu trabalho artístico combina antropologia visual e sonora, documentário, vídeo arte, performance art e performance vocal, tocando questões íntimas como a morte, a pobreza, o trabalho, a felicidade, a emigração, etc. A arte de Manuela Barile é uma investigação contínua sobre a realidade, sobre o estar no mundo, sobre a experiência pessoal. Usando como ponto de partida a sua própria existência e a de pessoas comuns, o trabalho da artista é capaz de transformar a experiência individual num lugar de projecção colectiva. Como performer vocal, embarcou em 2001 num percurso pessoal na área da experimentação vocal aplicada à improvisação livre. A artista baseia-se no uso de “técnicas vocais estendidas” focadas na relação entre voz, corpo, paisagem sonora e propriedades acústicas dos lugares. Manuela Barile é presentemente diretora artística da Binaural/Nodar, organização para a qual criou inúmeras obras audiovisuais, muitas das quais co-financiadas pelo Governo de Portugal e por fundações privadas em Portugal e em Itália (“Moroloja”, “Locus in Quo”, “Oikos”, “Rheia Zoontes”, “A Esposa” etc.). As suas obras foram exibidas em múltiplos festivais e espaços expositivos nacionais e internacionais: Australian International Experimental Film Festival, Cologne OFF, Óptica Madrid, Óptica Buenos Aires, Videoholica, Festival Internacional de Cinema de Camden (US), Marco (Vigo), Espaço Isto é Normal (A Corunha), Museu Bienal de Cerveira, Espaço Performas (Aveiro), Teatro Viriato (Viseu), etc.